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A2 é destaque no Anuário Leite 2023 da Embrapa
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O ANUÁRIO LEITE 2023 DA EMBRAPA está recheado de informações atuais e relevantes: são 35 artigos, com indicadores do cenário da pecuária de leite do Brasil e do Exterior. O mote da edição é o tema ‘Baixo Carbono’ e, nos destaques de capa, estão também: “Origem, pesquisa, produção e consumo de leite A2 “, “O consumo do leite no mundo e a oferta e a demanda no Brasil” e “A pesquisa da Embrapa e o salto de produtividade da pecuária de leite”. Confira, nesta adaptação, os textos relacionados ao leite A2 e tenha, também, acesso ao anuário na íntegra.

Fonte Anuário Embrapa – Textos Adaptados para esta publicação. Autores Marcos Vinicius G. Barbosa da Silva e João Cláudio do Carmo Panetto. Quadro: “Um mercado que cresce e aparece” de autoria de Nelson Rentero

O leite A2 está associado favoravelmente à produção e à maior digestibilidade para quem consome. Tais fatores foram evidenciados há pouco, mas a pesquisa genética em bovinos é antiga, selecionando animais que ofereçam um leite diferenciado.

O leite bovino é um alimento composto por 87,5% de água, 12,5% de sólidos totais, 4,8% de lactose, 3,5% de gordura, 3,2% de proteína, 0,8% de minerais e 0,2% de outros componentes (vitaminas, enzimas, hormônios etc) em diferentes estados de dispersão. Dependo da raça, a composição do leite pode variar, principalmente em relação aos teores de gordura e proteína. Por exemplo, na raça Holandesa o leite é constituído de cerca de 3,2% de proteína, das quais 80% são caseínas (CN) e 20% proteínas do soro do leite, como β-lactoglobulina (β-LGB) e -lactoalbumina (β-LA).

Citando especificamente as caseínas, elas são classificadas em quatro grupos: βS1-CN, βS2-CN, β-CN e β-CN, e seus índices variam de acordo com raça, saúde, nutrição, estádio da lactação e manejo alimentar do animal. A βS1-CN é a caseína mais prevalente no leite (40%), apresenta nove variantes e está relacionada com alergia ao leite e derivados. Já a βS2-CN apresenta quatro variantes e representa aproximadamente 10% das caseínas do leite, estando relacionada à atividade antibacteriana.

A beta-caseína (β-CN) apresenta 13 variantes, sendo as A1 e A2 as mais comuns. Estima-se que a mutação do alelo A1 da beta-caseína tenha ocorrido há milhares de anos, durante o processo de domesticação do gado leiteiro na Europa e no Oriente Médio e que surgiu de forma espontânea em uma única vaca de raça taurina, espalhando-se em virtude da seleção artificial e cruzamentos praticados visando maior produção de leite. Tal mutação no código genético dos bovinos provocou a mudança de apenas um nucleotídeo localizado no cromossomo 6, que resulta na substituição de uma adenina (alelo A1) por uma citosina (alelo A2).

Tal alteração é classificada como uma substituição não sinônima, em que a histidina na posição 67 da cadeia de aminoácidos (alelo A1) é substituída por prolina (alelo A2). Ainda que essa mutação cause alteração estrutural sutil na beta-caseína, ela faz com que a digestão do leite proveniente de vacas com um ou dois alelos A1 (A1A1 e A1A2) provoque o aparecimento de um peptídeo exógeno opioide chamado beta-casomorfina-7 (BCM-7), o qual está relacionado aos problemas de saúde humana. Já a digestão do leite de vacas A2A2 gera o surgimento de outro tipo de peptídeo chamado beta-casomorfina-9, o qual não causa nenhum tipo de problema.

Muitos estudos apontam para a natureza opioide da beta-casomorfina-7 e possíveis efeitos no sistema nervoso central apresentam relação com a síndrome da morte súbita infantil, aterosclerose e doenças cardiovasculares, diabetes mellitus insulino-dependente e psicose pós-parto. Também pode estar ligado à potencialização dos espectros de autismo e de esquizofrenia, com implicações em uma gama adicional de condições autoimunes, estando também esta ligada à alergia ao leite em algumas pessoas. Já o alelo A2 vem sendo associado à redução do risco de doenças cardíacas e de diabetes tipo I em crianças.

No entanto, não há consenso na literatura sobre tais efeitos, pois há trabalhos científicos que produziram resultados conflitantes a estes, o que mostra que tais efeitos precisam ser mais bem estudados. É consenso, sim, que o alelo A2 está associado favoravelmente à produção de leite e à maior digestibilidade do leite para consumo humano, o que tem levado os produtores a selecionar animais para este alelo, aumentando sua frequência nos rebanhos.

Existe diferença considerável nas frequências desses alelos entre as raças bovinas, sendo o alelo A1 encontrado com maior frequência em raças taurinas, incluindo Holandesa, Jersey, Pardo-Suíça e Ayrshire. E com menor frequência em raças zebuínas e sintéticas, como Gir, Guzerá, Sindi e Girolando. É importante ressaltar que o gene da beta-caseína é altamente conservado entre as espécies e há fortes evidências de que a mutação não ocorreu em outras espécies domésticas, as quais carregam apenas alelos A2 da beta-caseína, o que significa que o leite proveniente de cabras, ovelhas e búfalas é todo A2.

SOMENTE A GENÉTICA DETERMINA PRODUÇÃO DE LEITE A1 OU A2

Então, como criar mais vacas produzindo leite A2, se esse é um dos objetivos de seleção em um rebanho específico? A capacidade de uma vaca produzir leite A1 ou A2 depende inteiramente de sua composição genética e é impossível elaborar medidas de manejo alimentar, por exemplo, para se obter mais leite A2. Conforme mencionado, os bovinos leiteiros possuem um genótipo expresso como A1A1, A1A2 ou A2A2, com cada cópia do alelo do gene da beta-caseína (A1 ou A2) levando à produção do tipo correspondente de leite. As vacas A2A2 são as únicas que podem ser consideradas produtoras de “leite A2”, pois as vacas A1A2 produzirão leite com mistura de beta-caseínas A1 e A2.

O genótipo de um animal só pode ser determinado por meio de testes genéticos, atualmente disponíveis nacionalmente por vários laboratórios comerciais. Do lado do touro, muitas empresas de inseminação artificial, associações e a Embrapa testam os touros dos diversos programas de melhoramento para as variantes de beta-caseína e tornam os resultados públicos. Possíveis combinações de descendentes quando os genótipos de beta-caseína de ambos os pais são conhecidos são ilustradas na tabela 1, enquanto nas tabelas 2 e 3 são apresentados os resultados das genotipagens dos touros do Programa Nacional de Melhoramento do Gir Leiteiro (PNMGL) e do Programa de Melhoramento Genético do Girolando (PMGG) publicados em 2022.

Na tabela 1, podem ser observados quatro diferentes acasalamentos entre vacas e touros com diferentes genótipos para beta-caseína. Na tabela 1A, ao se acasalar um touro heterozigoto (A1A2) com uma vaca homozigota A1A1, 50% das progênies serão A1A1 e outros 50% serão A1A2. Na tabela 1B, um touro heterozigoto A1A2 acasalado com uma vaca homozigota A2A2 produzirá progênies A1A2 (50%) e A2A2 (50%). Na tabela 1C, dois animais heterozigotos A1A2 produzirão progênies A1A1 (25%), A1A2 (50%) e A2A2 (50%), ao passo que dois animais homozigotos A1A1 e A2A2 produzirão 100% da progênie como A1A2. Ao se acasalar dois animais que possuem o genótipo A2A2, 100% da progênie serão A2A2, assim como uma vaca A1A1 acasalada com um touro A1A1 produzirá 100% da progênie com genótipo A1A1.

É de suma importância destacar que a beta-caseína tem uma base genética e que não há solução rápida. Criar bovinos leiteiros para produzir exclusivamente leite A2 levará algum tempo e os produtores e a indústria láctea de modo geral têm de se organizar para levar esse produto para o mercado. Uma abordagem agressiva pode incluir a propagação apenas da progênie de fêmeas testadas para ser A2A2 e, ao mesmo tempo, criar uma imagem negativa para o leite, de modo geral, levando-se em consideração que a esmagadora quantidade de leite produzido no Brasil é de vacas com pelo menos um alelo A1.

Uma abordagem mais passiva poderia incluir apenas a seleção de touros de acasalamento A2A2. Se este último fosse usado, a frequência de beta- -caseína A1 no leite cairia pela metade a cada geração ou em aproximadamente a cada cinco anos. De qualquer forma, ambas as opções poderiam implicar sacrifício substancial em termos de diversidade genética e progresso genético para características de produção, saúde, fertilidade e conformação, uma vez que muitos reprodutores e fêmeas superiores que carregam o alelo A1 não poderiam contribuir para as gerações futuras.

Portanto, nesta fase, não é recomendado limitar o uso de touros apenas para aqueles com o genótipo A2A2. No entanto, dar preferência a esses touros ao decidir entre dois touros comparáveis em todas as outras características importantes para seus objetivos de criação pode ser uma estratégia aceitável e levaria ao aumento constante na produção de leite A2 em seu rebanho ao longo do tempo.

Marcos Vinícius G. Barbosa da Silva e João Cláudio do Carmo Panetto são pesquisadores da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora – MG. 

Um mercado que cresce e aparece – Por Nelson Rentero

Em menos de cinco anos, o leite tipo A2 deixou de ser item de oferta restrita para ganhar espaço na linha de produtos de grandes marcas do mercado de leite fluido. Hoje, os números envolvendo produção e consumo revelam uma preferência que cresce cada vez mais no país e no exterior, o que significa mais produtores e rebanhos cada vez maiores de vacas com genótipo A2A2. Assim, são vários os laticínios que, além de oferecer o tradicional litro de leite com suas variações na composição, têm no leite A2 uma novidade de demanda crescente, assim como com os derivados com o mesmo selo diferenciado.

Tal tendência e disponibilidade de matéria-prima atraiu novos investimentos dentro e fora das fazendas para oferecer leite A2 certificado no país. São pelo menos dez empresas com leite e queijos frescos pasteurizados e duas empresas líderes com leite longa vida A2. No exterior, joint venture entre a australiana A2 Corp. e a cooperativa neozelandesa Fonterra fez com que a produção e o consumo de leite A2 ganhasse novos patamares no mundo. As principais marcas de fórmulas infantis – Synlait na China; Gerber, na Alemanha; e Enfantmilk, nos EUA –, fabricadas com leite em pó A2 têm apresentado resultados muito positivos na dieta infantil, o que também tem estimulado a demanda.
O vice presidente da Abraleite, Roberto Jank Jr., diretor da Fazenda Agrindus, de Descalvado-SP, estima que o potencial de mercado do leite A2 está entre 30 e 40% do consumo atual de leite do Brasil. “É o mesmo percentual de pessoas que equivocadamente consideram-se intolerantes à lactose, mas que, na verdade, apenas fazem a digestão incompleta da caseína A1, própria do leite convencional”, cita, tendo como base estudos recentes que apontam que o percentual de pessoas com desconforto causado por intolerância à lactose não passa de 5%.
A expectativa do dirigente é que, com maiores e melhores informações sobre a composição diferenciada do leite A2, o produto cresça de forma constante e introduza novamente o leite na nutrição de muita gente que deixou de consumir lácteos na primeira infância por desconforto digestivo. “Para isso, estamos contando com uma aprovação recente concedida pela Anvisa, a partir de pleito da Abraleite, para inserir na rotulagem indicação de funcionalidade para o leite A2, provando que o produto não contém o peptídeo BCM-7, da caseína A1, que pode causar desconforto digestivo em algumas pessoas”.

O leite A2, matéria-prima descoberta nos anos 1990 pelos pesquisadores da Nova Zelândia, fez daquele país líder em produção e exportação desse tipo de leite desde 2003. A partir de 2015, depois da queda da patente, o leite A2 passou então a ganhar o mundo também pelas mãos de produtores de outras regiões. No ano passado, o mercado global do leite A2 e seus derivados foi avaliado em US$ 8 bilhões, segundo a empresa canadense Precedence Research. Para 2030, projeções sinalizam algo em torno de US$ 25 bilhões.

No Brasil, o segmento do leite A2 está estimado, por ora, em cerca de R$ 100 milhões anuais, menos de 1% do mercado de leite. “São poucos os produtores no país e a produção ocorre em fazendas verticalizadas, com rastreabilidade sobre a origem”, explicou Jank ao jornal Valor Econômico. Mesmo assim, a expectativa do dirigente é que, com mais divulgação, o consumo do produto passe a crescer em torno de 20% ao ano. Certo é que parte desse índice deve vir da própria Agrindus, hoje em quinto lugar no ranking das maiores fazendas do país, com 65 mil litros de leite/dia, que processados estampam a marca Letti para o leite A2 pasteurizado e para a linha de derivados.

SELO A2 PARA LEITE PASTEURIZADO, LEITE UHT E QUEIJOS PREMIADOS

A mais recente investida nesse segmento foi feita no ano passado pelo Laticínios Bela Vista (Piracanjuba), indústria sediada em Bela Vista de Goiás-GO. O produto ganha as gôndolas em versão UHT, embalado em caixinha TetraPak de um litro, características que o diferencia da concorrência, que tem utilizado garrafas plásticas e versão pasteurizada. “Para captar matéria-prima, o primeiro passo foi buscar fazendas que possuem animais selecionados geneticamente e que seguem protocolos de certificação, garantindo a origem das vacas A2A2 e a rastreabilidade do leite extraído delas”, diz Lisiane Campos, gerente de Marketing da empresa.

O leite Piracanjuba possui o selo da Integral Certificações, com auditorias feitas pelo Genesis Group. Por enquanto, o leite Piracanjuba A2 é oferecido na versão semidesnatado, com 2,1% de gordura. Para enfatizar a diferença do leite convencional, que também produz, a empresa aplica em três das quatro faces da embalagem a deliberação autorizada pela Anvisa para descrição do produto: “O leite produzido a partir de vacas com genótipo A2A2 não promove a formação de BCM-7 (betacasomorfina-7), que pode causar desconforto digestivo”.

Outra empresa que passou a investir no leite A2 é a Fazenda Colorado, de Araras-SP. Mesmo respondendo há alguns anos pela maior produção de leite do país, mais de 100 mil litros/dia, lançou no final do ano passado o leite integral Xandô A2 no que considera “um nicho de negócios ainda incipiente, mas com grande potencial para crescimento”. O produto tem como origem vacas Holandesas A2A2 de rebanho próprio e separado das demais que respondem pela maior parte da oferta de leite convencional e destinada ao processamento de vários tipos de derivados, como iogurtes e queijos.

No mercado internacional, a Nova Zelândia e a Austrália são grandes exportadoras de leite A2A2, enquanto nos Estados Unidos o segmento já movimenta mais de US$ 2 bilhões por ano, chegando inclusive a exportar pequena parte do que produz em leite em pó e produtos derivados. Relatório recente da Market Research Future, divulgado pelo Dairy Reporter, estima que o mercado de leite A2 crescerá à taxa anual próxima de 19% até 2030. Para isso, a Austrália e a Nova Zelândia manterão a maior participação de mercado, seguidas por Europa e Estados Unidos, que devem seguir as taxas de crescimento do relatório, que aposta que o mercado atinja US$ 26,9 bilhões até o final de 2030.


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