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O BEM-ESTAR ANIMAL E A AGENDA ESG
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O bem-estar animal, além de ser uma forte demanda dos consumidores, faz parte do componente social (o S) do ESG, dentro do conceito de bem-estar único (One Welfare), ou seja, dos seres humanos e dos animais de produção.

ESG é o conceito mais moderno e abrangente de sustentabilidade envolvendo, não apenas o ambiente, mas também os aspectos sociais e a governança das empresas. Entender e implementar práticas de ESG tornou-se essencial, por exemplo, para empresas que têm ações na bolsa. Mas, isso é só o começo, pois a evolução aponta, claramente, que o Agro, como um todo, e a pecuária especificamente, serão cada vez mais cobrados em relação à sustentabilidade.

Uma coisa que você talvez não saiba é que o bem-estar animal, além de ser uma forte demanda dos consumidores, faz parte do componente social (o S) do ESG, dentro do conceito de bem-estar único (One Welfare), que descreve as inter-relações entre o bem-estar animal, humano e o ambiente físico e social. O Bem-Estar Único (BEU) engloba os componentes comportamentais e de saúde mental do conceito de saúde única (One Health).

O conceito de BEU poderia, em última análise, ajudar a melhorar os padrões globais de bem-estar humano e também do bem-estar animal. Também poderia ajudar a promover objetivos globais importantes, como a sustentabilidade ambiental, a segurança alimentar, a redução do sofrimento humano e a melhoria da produtividade no setor agropecuário.

Dados de pesquisa têm mostrado que boas práticas no manejo de animais para produção de alimentos estão relacionadas com estados emocionais positivos de seus proprietários e dos funcionários das fazendas e granjas. Fato ainda mais relevante é que pessoas que tratam bem os animais, tendem a tratar bem crianças e idosos. As situações inversas, de maus tratos e abusos de vulneráveis também tendem a ocorrer com aqueles indivíduos que tratam mal os animais

Além da saúde emocional, o bem-estar animal também tem relação direta com a transmissão de zoonoses. Animais em situações de estresse e condições inadequadas ampliam a sua capacidade de transmitir doenças para os outros animais e também para as pessoas.

Outros aspectos muito importantes do bem-estar animal são o aumento da produtividade, qualidade e agregação de valor aos alimentos. Assim, paralelamente, avança-se na melhoria da qualidade de vida dos animais e dos seres humanos.

Tabela 1. Relação entre o Bem-Estar Único (BEU) e as cinco liberdades

CINCO LIBERDADESRELAÇÕES COM O BEU
NutriçãoLivre de fome, sede e desnutriçãoFácil acesso a água fresca e dieta capaz de manter a saúde e o vigorProvisão de alimentação e água para os animais é essencial para assegurar a saúde o bem-estar e para manter a subsistência humana
AmbienteLivre de desconfortoProver um ambiente adequado, incluindo abrigo e local confortável para descansoRecursos ambientais estão conectados tanto com os humanos quanto com os animais
Instalações adequadas para os animais melhoram o seu bem-estar e a coexistência com os humanos.
SaúdeLivre de dor, injúrias e doençasPrevenção e rápido diagnóstico e tratamentoO aumento do bem-estar animal sustenta uma melhor imunidade e os meios de subsistência humana, com impactos positivos na produtividade, redução do uso de antimicrobianos e maior longevidade produtiva.
Animais doentes e/ou com dor podem apresentar comportamentos indesejáveis, impactando negativamente as interações animal-homem e comprometendo o bem-estar.
Estado MentalLivre de medo e estresseCondições de prevenção do sofrimento mentalO manejo não violento de animais promove sociedades melhores e ajuda a prevenir a violência e o abuso humano
ComportamentoLivre para expressar seus comportamentos naturaisFornecer espaço suficiente, instalações adequadas e companhia de outros animais da mesma espécieAnimais livres de distúrbios comportamentais terão melhores relações com os humanos com quem interagem

A Figura 1 apresenta o Guarda Chuva do BEU, que é o elemento mais importante da abordagem multidisciplinar e interdisciplinar do conceito. Esses aspectos devem ser considerados para o desenvolvimento de caminhos, métodos e balanço de prioridades que incluam o bem-estar animal como parte integrante (e não periférica) das preocupações sociais.

Fig. 1. O Guarda-Chuva do BEU, mostrando as múltiplas interconexões entre bem-estar animal, bem-estar humano e aspectos ambientais.

Adaptado de One Welfare – A Framework to Improve Animal Welfare and Human Well-being, CAB International (2018).

As conexões entre abuso e negligência animal e humana

“Se alguém está maltratando um animal, existe uma boa chance de que ele também esteja maltratando um humano” (National Sheriffs Association)

O entendimento das ligações entre abuso animal, violência interpessoal e negligência (muitas vezes cometida por ignorância) pode ajudar a identificar essas situações pelo reconhecimento de seus níveis de risco – baixo, médio e alto – em vários ambientes sócio-economômicos. Isso pode ajudar a prevenir a violência individual, familiar e comunitária, permitindo uma intervenção precoce.

O abuso animal não tem apenas efeito individual e familar, mas também pode servir como indicador de profundos problemas sociais. O ato de provocar dor ou causar sofrimento ou estresse a um animal pode ter um impacto indireto dentro da população, potencializando a falta de sensibilidade da comunidade aos maus tratos ou violência.

A educação, em todos os níveis etários, ou a experiência são fatores chave para alterar atitudes em relação a animais e indivíduos vulneráveis. Se crianças e adultos são ensinados a cuidar bem dos animais, eles adquirem competências sociais, incluindo empatia, responsabilidade e respeito pelos outros. Esse investimento em educação sobre cuidados com os animais pode ajudar na prevenção tanto dos abusos contra animais quanto da violência humana.

O abuso animal não indica, necessariamente, que haja, simultaneamente, abuso humano; entretanto, há estudos convincentes que confirmam essa conexão, incluindo:

  • O abuso animal como precursor de, ou ocorrendo simultaneamente com, outros crimes contra pessoas e sociedade;
  • O abuso animal como um indicador de violência ou negligência contra pessoas vulneráveis da família;
  • O abuso animal é amplamente correlacionado a outros tipos de crime.

As implicações sociais do aumento do bem-estar animal

A criação adequada dos animais de produção pode aumentar, diretamente, tanto o bem-estar dos animais quanto daqueles que se beneficiam deles como fontes de proteínas na alimentação. O manejo dessa categoria de animais requer o envolvimento dos proprietários em nível educacional e preventivo, e também com a comunidade para garantir que haja compreensão do valor essencial que eles fornecem.

O papel dos centros educacionais e escolas rurais é fundamental para sustentar essa área, ensinando os princípios do bem-estar animal desde os primeiros estágios escolares. Já os proprietários rurais podem ter um impacto sobre vários fatores que afetam o BEU, como a forma pela qual os animais são tratados e alimentados e as condições físicas e psicológicas do ambiente de trabalho de seus funcionários. Os prestadores de serviços, como Veterinários e Zootecnistas, também têm um papel educacional e de monitoramento do BEU.

Segurança dos alimentos

Melhorias no bem-estar animal têm o potencial de reduzir os riscos relacionados à segurança dos alimentos, principalmente pela redução da incidência de doenças infecciosas nas fazendas que podem infectar humanos e animais, e por meio da utilização racional e redução da resistência aos antibióticos.

O bem-estar animal tem um impacto direto na saúde dos animais e na segurança dos alimentos por eles produzidos. Animais produtores de alimentos podem abrigar patógenos que podem ser transmitidos a outros animais ou a humanos. A falta de bem-estar animal é um fator que contribui diretamente para o aumento do risco de eliminação de bactérias, como Escherichia coli, Salmonella ou Campylobacter, nas fezes. Isso pode resultar em aumento do risco de contaminação cruzada, perdas de produtividade devido a doenças e/ou contaminação da carne e do leite.

Por outro lado, considerando o tipo de ambiente em que os animais são criados, alguns estudos relatam que os sistemas de criação ao ar livre e orgânicos, são exemplos nos quais as melhorias no bem-estar animal podem expor os animais a uma maior carga bacteriana ou parasitária e, portanto, aumentar o risco relacionado à segurança dos alimentos. Obviamente, o mesmo pode ocorrer em sistemas intensivos mal manejados. Em geral, fazendas mais eficientes possuem melhores índices de bem-estar animal. Isso significa que as práticas de manejo dos rebanhos, incluindo instalações e rotinas, impactam o bem-estar animal e podem também afetar a segurança dos alimentos.

Lucratividade e BEU

A melhoria do bem-estar animal afeta ainda os níveis de satisfação do produtor, a lucratividade dos sistemas de produção e a agregação de valor nos alimentos de origem animal frente aos seus consumidores.

Iniciativas que promovam o aumento da lucratividade nos sistemas de produção contribuem para a melhoria do bem-estar. Por exemplo, o bem-estar e saúde em vacas leiteiras contribuem para reduzir a mortalidade e aumentar a longevidade, o que resulta em redução de custos e aumento da lucratividade. Assim, embora, às vezes, possa haver alguns conflitos entre o bem-estar animal e a eficiência produtiva, uma abordagem de BEU nos incentiva a trabalhar áreas onde um maior bem-estar dos rebanhos afeta diretamente o bem-estar dos produtores, como a satisfação no trabalho, o aumento da produtividade e da lucratividade.

Segurança do trabalho

O manejo dos animais de produção pode ser uma fonte de lesões e morte relacionadas ao trabalho. Boas práticas de bem-estar animal também podem ajudar a reduzir esses riscos, garantindo que os animais sejam mais calmos e mais fáceis de manejar. Essas práticas incluem tanto as instalações para o manejo dos animais quanto o treinamento, habilidades e competências do pessoal que lida com os mesmos. As instalações não só precisam ser adaptadas ao comportamento animal, mas também ao comportamento humano, levando em consideração que trabalhar em uma posição não ergonômica ou cansativa pode ser bastante frustrante (Wiberg, 2012).

Embora investir em infraestrutura para melhorar o manejo possa ser um alto investimento, os benefícios potenciais futuros e não quantificados podem ser tão altos quanto uma vida humana. Isso pode ser aplicado a todas as etapas do manejo, da fazenda ao abate.

Segurança alimentar

O mundo está enfrentando grandes desafios no desenvolvimento de sistemas de produção pecuária sustentáveis que possam atender às crescentes demandas de produção de carne e leite. Esses sistemas também devem demonstrar responsabilidade ambiental e garantir que os aspectos essenciais da sustentabilidade, incluindo bem-estar animal, sejam devidamente respeitados.

O bem-estar animal é uma parte intrínseca da agropecuária sustentável e apoia a segurança alimentar. A segurança alimentar existe quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos que satisfaçam suas necessidades alimentares e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável.

Conclusões

O bem-estar animal afeta uma série de aspectos sociais, dentro e fora das porteiras das fazendas. O conceito de BEU engloba esses aspectos, evidenciando a necessidade de uma abordagem que inclua animais e humanos.

Questões como violência familiar e comunitária podem ter ligação direta com maus tratos aos animais e, consequentemente, podem ser melhoradas por meio da educação relacionada ao bem-estar animal.

Outros aspectos sociais que se beneficiam do bem-estar animal incluem a redução da ocorrência de zoonoses, o uso racional de antibióticos, a segurança dos alimentos, a lucratividade dos sistemas de produção e a segurança alimentar.

Referências:

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