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Sinais dos tempos
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O que a transição marcante do perfil demográfico da população sinaliza sobre a complexa previsão de consumo de lácteos no Brasil? A mudança das características  demográficas da população deve ser mais uma variável a ser considerada no planejamento e na gestão das atividades dos atores sociais do agronegócio do leite, como produtores, indústria de beneficiamento de lácteos, de insumos, entre outros.

Por

SAMUEL JOSÉ DE MAGALHÃES OLIVEIRA
KENNYA BEATRIZ SIQUEIRA
Pesquisadores da área de Economia da
Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora/MG)

Artigo da Revista Leite Integral

O perfil demográfico de uma população influencia a demanda por produtos e serviços e, por consequência, sua produção e oferta. Crianças demandam mais escola, brinquedos, alimentos infantis e assim por diante. A população mais idosa, por outro lado, demanda mais serviços e produtos relacionados à saúde, ao cuidado mais intensivo, entre outros

O Brasil passou por rápida transformação  demográfica nas últimas décadas. O crescimento populacional rondava os 2,5% ao ano (a.a.), nos anos 1970. Na década de 2000, o país contava com cerca de 200 milhões de habitantes e a população passou a crescer apenas 1% a.a. Com pouco mais de 210 milhões de habitantes, em 2021, o Brasil exibiu crescimento demográfico estimado em 0,7% a.a., valor inferior à média mundial de 1,1% e abaixo de países como Argentina, México e Chile. Essa taxa de crescimento populacional brasileira está próxima aos valores observados nos Estados Unidos (0,6% a.a.) e no Reino Unido (0,5%), o que retrata uma situação  demográfica impensável há algumas décadas.

A rápida mudança se deu em decorrência da redução da taxa de natalidade no país e pode ser ilustrada pela comparação do perfil demográfico dos anos 2000 e 2021:

houve clara diminuição, até em números absolutos, da população mais jovem e forte expansão da população idosa, alterando substancialmente a pirâmide etária brasileira (Figuras 1A e 1B).

A população até 14 anos somava 30% da população brasileira, em 2000. Essa proporção diminuiu para 25%, em 2010, e 21%, em 2021. Em 21 anos, esse contingente populacional foi reduzido de 52 milhões para 44 milhões de habitantes, um decréscimo de 8 milhões no período. A população idosa, por outro lado, saltou de 15 para 31 milhões, atingindo 15% da população brasileira, em 2021.

Assim, enquanto a população até 14 anos decresceu em torno de 0,8% a.a., a população idosa cresceu 3,8% a.a., nesse intervalo de 21 anos. Essa taxa acelerou, entre 2010 e 2021, para 3,8% a.a. (Tabela 1).

A real população brasileira da atualidade será conhecida apenas após a realização do Censo de 2022, o ano do bicentenário da Independência do Brasil. Ainda em 2021, no entanto, testes-piloto do Censo foram realizados em diferentes unidades da federação. No estado do Rio de Janeiro, foram aplicados questionários na ilha de Paquetá, um bairro da capital fluminense. A evolução  demográfica observada na ilha, nos últimos Censos, sinaliza forte mudança no perfil demográfico. Também lá, a população infantil, de 0 a 14 anos, está se reduzindo. No entanto, essa redução acelerou de 0,9% a.a., entre 2000 e 2010, para 2,3% a.a., entre 2010 e 2021. O bairro, que é conhecido por abrigar expressiva população idosa, mostrava que, em 2000, 21,6% de seus habitantes já tinham mais de 60 anos. Esse percentual se elevou 22,7% em 2010 e atingiu 31,6% no último Censo piloto, realizado em 2021.

AS CRIANÇAS CONSOMEM 38 KG DE LÁCTEOS POR ANO, SEGUIDAS PELOS IDOSOS, COM 19 KG/ANO E OS ADULTOS, COM APENAS 16 KG/ANO

O crescimento anual da população idosa acelerou e atingiu 3,5% a.a., entre 2010 e 2021.

Paquetá seria um indício de que a mudança da pirâmide etária brasileira pode estar acontecendo até mais rápido que o estimado? (Tabela 2).

Outros indicadores sugerem o aumento da velocidade da transição  demográfica brasileira. O Brasil possuía, em julho de 2010, 136 milhões de eleitores aptos ao voto, o que perfazia 95% da população residente com 16 anos ou mais, apurada pelo Censo do mesmo ano. Três anos mais tarde, o quantitativo de eleitores caiu para 94% da população estimada com 16 anos ou mais. Esse percentual atingiu 93%, em 2016, 90%, em 2019, e chegou a 87%, em julho de 2021, quando o país somava 145 milhões de eleitores. É possível que a população com 16 anos ou mais seja menor que os 166 milhões de habitantes estimados pelo IBGE para 2021, o que elevaria o percentual de eleitores nesse estrato populacional.

Há ainda outro indicador muito interessante, que é o número de vacinados com a primeira dose contra a Covid-19, o qual alcançou 166 milhões de brasileiros com 12 anos de idade ou mais, no final de dezembro de 2021. Esse grupo equivale a 93% da população estimada nesse estrato populacional, que corresponde a 178 milhões de habitantes. Assim, não será surpresa constatar, em 2022, que as estimativas de população a partir de 2010, ainda que indicativas de provocarem mudança no perfil demográfico brasileiro, foram superestimadas.

Mas, o leitor pode estar se perguntando, o que tudo isso tem a ver com o consumo de lácteos. Usando dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018 do IBGE, pesquisadores da Embrapa Gado de Leite conseguiram mapear o consumo de diversas categorias de lácteos em diferentes faixas etárias da população brasileira: crianças (até 14 anos), adultos (15 a 59 anos) e idosos (acima de 60 anos). Há profundas diferenças entre os diferentes estratos: as crianças consomem 38 kg de lácteos por ano, seguidas pelos idosos, com 19 kg/ano e os adultos, com apenas 16 kg/ano.

O principal lácteo consumido pelas crianças é a bebida láctea, com média de consumo de 21 kg/ano. O produto lácteo mais importante para os adultos é o leite puro, com consumo médio de 6 kg/ano, que é o mesmo para os idosos, porém, com consumo médio de 11 kg/ano.

O consumo de queijos, um lácteo de alto valor agregado, é destaque para os idosos – com média de consumo de 2,8 kg/ano – e adultos, com 2,1 kg/ano, sendo menor pelas crianças (1,2 kg/ano; Figura 2).

OS HÁBITOS ALIMENTARES MUDAM AO LONGO DA VIDA E O CONSUMO NÃO DEPENDE APENAS DO PERFIL DEMOGRÁFICO DA POPULAÇÃO

Os dados indicam que as crianças, que representam a menor parcela da população brasileira, são os maiores consumidores de lácteos do país.

Analisando, isoladamente, a mudança do perfil demográfico, pode-se pensar em tendência de queda na demanda agregada por lácteos, concentrada em crianças.

A demanda por leite puro e por queijos poderia, no entanto, ser impactada positivamente pelo aumento do contingente idoso da população.

No entanto, o fato da população infantil estar diminuindo não significa que o consumo de lácteos no Brasil deve cair, pois os hábitos alimentares mudam ao longo da vida e o consumo não depende apenas do perfil demográfico da população. As escolhas e preferências do consumidor mudam no tempo, de modo que as características de consumo de uma faixa da população, hoje, podem se alterar no futuro. Os idosos de amanhã, por exemplo, podem ter um perfil de consumo diferente dos idosos de hoje.

Novas tecnologias e novos produtos podem surgir e isso poderá afetar as escolhas do consumidor, impactando a demanda pelos diferentes tipos de lácteos.

De qualquer modo, a mudança  demográfica é uma importante variável na complexa equação que define a demanda por lácteos. A mudança das características  demográficas da população deve ser mais uma variável a ser considerada no planejamento e na gestão das atividades dos atores sociais do agronegócio do leite, como produtores, indústria de beneficiamento de lácteos, de insumos, entre outros. Seguimos acompanhando se os sinais emitidos pela transição  demográfica serão a realidade do cenário de demanda por lácteos da população brasileira.


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